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JOVENS INVISÍVEIS

Abordando a abordagem

Abordando a
abordagem*

Daniel Péricles Arruda (Vulgo Elemento)  20 nov 2015

A
finalidade desta crônica é refletir sobre um fato cotidiano particular que,
certamente, é vivenciado por muitas pessoas, principalmente, em razão de sua
aparência.
No
mês passado, estava passando de carro por uma avenida na região central de São
Paulo. A poucos metros de distância, avistei uma blitz. Então, reduzi a velocidade e mudei de faixa para ficar na
pista indicada, como os demais motoristas também faziam.
No
momento em que estava passando, pediram-me para encostar o carro. Assim,
estacionei no local indicado e segui as orientações que me foram dadas: “abaixe o vidro detrás”, “desligue o motor”,
“desça, por favor”.
Ao
sair do carro e entregar os documentos solicitados, disseram-me: “mão na cabeça e vire pro carro”, ou
seja, revista. Como é constrangedor ter o seu corpo apalpado: pernas, coxas,
testículos, dignidade – chega a ser desrespeitoso –, o corpo é coisa tão
íntima, tão nossa, tão minha! Cabe dizer que essa não foi a primeira vez que
fui abordado – passo por essa situação, frequentemente, desde a adolescência – mas
gostaria de destacar as peculiaridades dessa abordagem.
Após
a revista, perguntaram-me: “você tem
problemas com a justiça?”
. Logo respondi: “Não”. Depois, pediram-me para aguardar até que os documentos
fossem verificados. Nessa espera, fiquei observando os tipos de pessoas que
eram abordadas e pensei: qual é o critério para abordar uma pessoa? Como não
apresentava nenhuma atitude suspeita, por que, dentre vários carros,
pararam-me? A cor da pele é quesito para abordar alguém?
Antes
de entregar-me os documentos, perguntaram-me novamente: “Então, você não tem problemas com a justiça?”. Ao perceber a
insistência da pergunta e o acréscimo do “Então”
com tom de dúvida, eu respondi de modo sereno: “Eu ajudo a justiça, eu sou assistente social e professor acadêmico.
Milito pela defesa dos direitos e deveres”.
Imediatamente, percebi mudança
no tratamento.
A
resposta pulou da minha boca, como proteção e posição política! Não quis
utilizar de minha posição profissional/intelectual para ser tratado com respeito
– pois sabemos muito bem que títulos podem ser usados para o bem ou para o mal
– a questão foi a de desconstruir a imagem que foi projetada em mim e que é
projetada em muitas pessoas, que acaba por construir uma imagem invisível de
nossa identidade.
Termino
este texto aqui (e não o assunto), considerando que esse é um dos nossos
maiores desafios: desconstruir estereótipos para construirmos o nosso ser, o nosso
modo de ser. Se (re)afirmo a imagem produzida e atribuída a mim através do olhar
opaco de conteúdo crítico – sendo que não sou o que esse olhar diz –  ajudo a produzir o que não sou. Se me
posiciono criticamente, torno-me dono da minha real existência, tenho chances
de desmanchar o olhar repedido, o olhar generalista, o olhar que não reflete a
minha imagem.
Sempre
somos abordados, em vários lugares e por várias pessoas, até mesmo, sem percebermos.
Não é fácil ser negro(a) no
Brasil.
Abordando a abordagem…

Como citar esta crônica: ARRUDA, Daniel Péricles (Vulgo Elemento). Abordando a abordagem. São Paulo: 2015.
Disponível em: http://vulgoelemento.blogspot.com.br/p/publicacoes.html. Acesso
em (colocar a data do acesso).



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