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NÃO É POUCA BOSTA

Arte, Racismo e Serviço Social



Arte,
Racismo e Serviço Social
Prof.
Dr. Daniel Péricles Arruda (Vulgo Elemento)
Texto
apresentado, em 16/06/20, no Ciclo de Lives do Serviço Social, realizado pela
Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Há discussões tão
complexas que só consigo fazê-las por meio da arte. Por isso, gostaria de
apresentar-lhes um texto reflexivo para que possamos dialogar sobre arte,
racismo e Serviço Social…
O que é arte? O que há
dentro desse guarda-chuva? Trata-se de uma palavra pequena que contém coisas
grandes. Arte é conhecimento. É caminho de passagem para outros saberes. Arte é
linguagem, produz linguagens. É mediação entre o sujeito e a cultura. É caminho
de acesso ao mundo interior. É um modo de fugir da realidade, mas também de
encontrá-la. Arte é muitas coisas. Arte não é tudo e nem tudo pode e consegue ser
arte, pois chamar de arte uma escultura, ou monumento, que representa o colonizador,
é continuar violentando simbolicamente os africanos e todas as suas gerações,
como a minha… E, digo mais, manter erguida a estátua do colonizador é parabenizá-lo
eternamente por seu malfeito.
Estão vendo como falar
de arte é difícil… Por isso, prefiro a arte que toca, que desperta a
humanidade para a diversidade…
A arte tem condição de
ser um instrumento sensível para adentrar ideologias racistas e, como cupim,
iniciar uma revolução por dentro… A arte pode nos revelar o nosso
inconsciente… A arte toca na subjetividade e produz várias outras…
A música, a poesia, a
dança, o teatro, a pintura, enfim, falo de arte sem censura, todas podem ser
utilizadas para despertar ou agregar valor ao sujeito, servir de espelho, para
romper invisibilidades e ressignificar marcas da discriminação racial… Essas
são algumas pistas para falar sobre o racismo…
Certamente, vocês já
escutaram ou leram essa frase em algum lugar: “Ninguém nasce racista”. Porém,
nosso país é referência em formar sujeitos racistas… São questões
importantes: Como se dá a formação do sujeito racista? Por que existe o
racismo?
O racismo desenvolve-se
de muitas maneiras. Age como vírus. É cruel. Machuca. Fere. Perturba. Mata.
Manifesta-se nos
discursos, em pequenas palavras, nos atos falhos, nos chistes, nos gestos…
Ora é cordial, cínico, ostensivo, irônico, recreativo, e na essência é
estrutural, como expresso em um dos meus versos:
“Porque o racismo é estruturalmente estrutural”.

“Temos que ocupar todos os lugares…

Vamos unir forças…

Vamos estudar e transformar a história…

Vamos nos manifestar, exigir e argumentar…

Mesmo sabendo que nenhum/a negro/a está imune
aos efeitos do racismo,

que é estruturalmente estrutural…

Mesmo que tenha diploma, mesmo que more em área
nobre, mesmo que fale inglês, árabe, francês…

O racismo sempre dá um jeitinho para nos
alcançar… É só olhar direitinho…

E essa talvez seja uma de suas estratégias de
atuação:

‘Mesmo que te escondas, eu te encontro.’”
O racismo é estruturalmente
estrutural porque vem desde a raiz. O racismo nos ataca, seja com tiros ou com
palavras, seja em direitos que nos são negados, tirados, fragilizados. O
racismo é tão perverso que o sujeito que o sofre é visto como culpado. Talvez
seja por isso que muitos se silenciam. Para não sofrer duas vezes.
Quem nunca ouviu algo
do tipo, ao relatar que sofreu racismo: “Amiga,
será?”; “Isso é coisa da sua cabeça!”; “Ai, mas tudo pra você é racismo!”; “Era
só uma brincadeira!”; “Ela não é racista. É o jeito dela!”; “Não, ele jamais
faria isso. Ele é casado com uma mulher negra!”; “Você tem que se tratar,
amigo. Você está com mania de perseguição”.
Aqui, façamos de conta
que o sujeito, ao ser desacreditado de sua narrativa, desesperado, resolva
procurar ajuda profissional, e o profissional repete de um modo
profissionalizado o mesmo discurso dos amigos.
Percebam como é difícil
provar que o racismo existe, mesmo acontecendo de maneira escancarada.
A palavra é a prova. Se
temos que provar a prova, quer dizer que temos um enorme problema a ser
resolvido…
O racismo não é culpa
do sujeito negro. O racismo revela o outro, que não aceita conviver com o
diferente. Mas há contradições. Não dá para analisar essa questão ligando um
ponto ao outro…
Parei outro dia para
distrair, liguei a televisão, mas como é possível se distrair no inferno?
Adolescente
é morto dentro de casa com tiro de fuzil no Rio de Janeiro…
(João Pedro);
Criança
de 5 anos morre após cair do 9o andar de prédio no centro do
Recife
(Miguel);
Morte
de homem negro filmado com policial branco ajoelhado em seu pescoço causa
indignação
(George Floyd).
Do que essas mortes nos
falam? Falam que o sujeito negro é altamente descartável. Demonstram que é
preciso verificar realmente se a escravização acabou ou se aperfeiçoou,
principalmente no Brasil, lugar que ainda se diz: criado mudo, mulata, inveja branca. Essa vocês conhecem: Denegrir! Porque não falam debranquir?
Enfim, um país em que
há leis contra o racismo, mas que ninguém é seriamente responsabilizado, que não
assume ou não quer reconhecer os impactos do racismo no desenvolvimento
psíquico do sujeito…
Agora, lembro-me das
mães que já atendi e que relatavam ter medo de seus filhos saírem nas ruas,
principalmente à noite…
Se você é mãe de filho
preto, me ouça: A sua preocupação faz sentido. É o medo de perder o filho, pelo
cano, pela pólvora, pelo tiro… O seu sentimento é legítimo… Por isso, é
importante o diálogo, a escuta, a troca entre grupos de mães… São trilhas…
Percebo que esses são
alguns elementos importantes para tratar do racismo e da arte, em nossa
sociedade, bem como para tratá-los no núcleo e não nas periferias das profissões,
para que possamos vê-los de modo plural e aprofundado nas disciplinas, nos projetos
de extensão, na proposição de caminhos metodológicos para a construção e
interação do conhecimento, na intervenção e supervisão profissional e no
cuidado de si. Para isso, enfatizo que a arte é importante para provocar a
mudança interior, aquela que se externaliza na cotidianidade, ou seja, a arte
como modo de escuta e acolhimento do sujeito na perspectiva da educação para as
relações étnico-raciais…

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