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O rap, a palavra e a escuta: aprendizados periféricos em um mundo desigual – Daniel Péricles Arruda (Vulgo Elemento)

 O
rap, a palavra e a escuta: 
aprendizados periféricos em um
mundo desigual

Daniel Péricles
Arruda (Vulgo Elemento)
 

Quando
conheci a cultura hip-hop, me
conheci. Quando comecei a cantar rap (rhythm and poetry/ritmo e poesia), me
desenvolvi. E vivo assim, entre o rap,
a palavra e a escuta. Uma tríade potente para refletir os aprendizados
periféricos em um mundo desigual. Certo de que não é uma tarefa fácil falar
sobre esse tema, mas o objetivo aqui é, poeticamente, expressar algumas
vivências, lições e certos sentimentos que floresceram ao longo de anos de
dedicação à cultura hip-hop, em especial, ao rap.

Vejam,
sinto que é importante dizer que não sou um professor que canta rap; sou um rapper que decidiu construir um diálogo entre esses dois campos do
conhecimento: a universidade e a rua… Não me sinto bem, sendo uma coisa só. Para
mim, é triste ser uma ilha, mesmo que ela seja paradisíaca. Por isso, prefiro a
pluralidade, que me faz sentir sujeito de desejo… E essa arte, em especial, é
um caminho que venho construindo para cuidar da minha humanidade.

O rap, também foi, para mim, uma revolução
por meio das palavras. O rap entrou
na minha casa e alcançou a minha consciência. O rap me ganhou pelos ouvidos. O rap
foi o meu primeiro “psicanalista”; com ele, aprendi a construir e a escutar as
minhas palavras. Na adolescência, enquanto meu pai estava viajando a trabalho, no
trecho, eu buscava no rap um pouco de
colo: deitado na cama, chorando, com o fone de ouvido, até dormir mais
tranquilo.

Quando
acabava de escutar um rap, me sentia
alimentado, forte, tipo: “Atitude, mano! Atitude, mina!”. Eu escutava a música
e pensava: “Nossa, tem tudo a ver! Tudo a ver!”. E, de fato, para muitos jovens
periféricos, o rap é uma forma de
alimento, que nutre os sentidos, fortalece a existência e potencializa as ações.
Eu fui percebendo que ouvir rap era
muito mais do que ouvir uma música; era estar em uma aula musicada, que
respeitava a minha cor, o meu cabelo, ou seja, o meu modo de ser.

Em diversos
contextos, como na escola, na família e no trabalho, é comum ouvir: “A
juventude não quer escutar”. Penso que, talvez, o problema não esteja na escuta,
mas na qualidade do discurso e no modo como se fala. O rap fala diretamente com muitos jovens, usando a rima, o jogo de
palavras, com refrãos que ficam cravados, ou com narrativas que proporcionam,
de fato, a educação dos afetos.

O rap, por meio da palavra, segue pelo
caminho da escuta para produzir subjetividades. O rap faz a palavra dançar, por isso é ritmo. Consequentemente, a
palavra dançante subverte a ordem e a imaginação; por isso é poesia. Nessa
trama, sem a escuta, o rap e a
palavra ficam em questão. Refiro-me àquela escuta no sentido de não ter o
ouvido como único canal de audição. Isto é, a escuta voltada para a leitura do
corpo, da desobediência. Escutar não somente o ritmo das palavras, mas também
do corpo poético e do mundo que o envolve.

Esses
são alguns elementos que servem de base para a experiência periférica com o
outro e com a vida cotidiana. Logo, é possível identificar aprendizados
essenciais, como a sobrevivência, a humildade, a solidariedade, a
desmistificação de que os sujeitos periféricos não são perigosos ou incapazes,
o respeito, o diálogo. Esse debate é profundo. Mas, em particular, o rap me ensinou a decodificar as
desigualdades, me ensinou a diferença entre teoria e prática, me ensinou que
tenho o direito de reivindicar a vida, me ensinou que periferia não é somente
uma condição geográfica e social, e sim um sentimento, e pulsante.

Texto apresentado na live do dia 08/08/20. Clique AQUI para assistir.

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